domingo, 12 de agosto de 2007

legado do Pan

legado do Pan -cartacapital
por Sócrates
Se temos de aplaudir alguém, são os nossos abnegados atletas. Muitos vivem, treinam, vestem-se e alimentam-se com pouco mais de um salário mínimo por mês

Sócrates
Os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, divulgados por muitos como um sério concorrente ao monumento do Cristo Redentor como uma das maravilhas do mundo moderno, não conseguem esconder as nossas escaras, ainda que curativos dos mais modernos tenham sido utilizados para tentar encobri-las.
Entre os equipamentos esportivos, que receberam grandes investimentos para mostrar ao mundo que teríamos no futuro condições de receber uma Olimpíada, percebemos diferentes classes e contrastes, como se estivéssemos reproduzindo a realidade do nosso País. Enquanto a chamada arena olímpica tem o glamour dos bem-sucedidos por competência ou herança, o espaço dedicado aos jogos de beisebol e softbol sofreu com o descaso dos que o escolheram como local para as competições e reagiu, muitas vezes impedindo a realização de vários confrontos, inclusive na disputa de medalhas. Os responsáveis talvez não saibam que a natureza não admite negligências, sejam quais forem, e as explicações, como sempre, fugiam da lógica como se tudo inevitável fosse.
O parque aquático é realmente uma beleza com suas águas transparentes e límpidas e recebeu um público muito bom para acompanhar as provas de natação. Por outro lado, a nossa Poliana, que perdeu por apenas uma braçada a maratona aquática, disputada na praia de Copacabana, não conseguiu competir na prova dos 800 metros na piscina. Contraiu uma infecção intestinal por causa dos coliformes fecais que ingeriu durante a competição marítima. Imagino o que sofreram com a poluição os atletas do iatismo que competiram na Baía de Guanabara ou os do remo que ocuparam a Lagoa Rodrigo de Freitas. A baía e a lagoa são belezas desfiguradas pelo descaso e que deveriam, no mínimo, ter sido objeto de muitos cuidados para estes Jogos.
Mas o objetivo nunca foi deixar para a cidade melhorias que permitissem mais qualidade de vida. Nunca nos preocupamos em investir no ser humano ou nas condições que ele deve ter para uma existência digna e, sim, em monumentos de concreto como o Redentor para que estes possam perpetuar um nome, uma ideologia, ou apenas registrar uma determinada data.
Os espaços dos esportes pouco conhecidos estão mais para campos de várzea e suas instalações são provisórias. Prega-se a altos brados que as obras feitas para o Pan-Americano, aos esportes que poderíamos chamar de elite, ficarão como legado para a cidade. Como se o Estádio João Havelange, o Engenhão, a partir do fim dos Jogos se tornasse um bem popular e suas portas ficassem sempre abertas para a comunidade que o cerca. Como se o carioca, de uma hora para outra, resolvesse praticar ginástica artística em massa e passasse a utilizar diariamente os equipamentos trazidos para o Pan ou pudesse usar as piscinas do parque aquático como um clube de acesso irrestrito. Isso sem falar do estádio de tiro, que naturalmente serviria para o treinamento de boa parte da população que ainda não sabe se defender da guerra civil existente na cidade há anos.
Nem os atletas, creio, poderão usufruir dessas construções, já que os interesses econômicos sempre estarão à frente de quaisquer outros. O Célio de Barros, estádio de atletismo vizinho ao Maracanã, parece que vai desaparecer para que no espaço seja erguido um shopping center, com interesses bem distantes dos esportivos. Assim, o atletismo perderá o seu centro de desenvolvimento de atletas e não terá substituto, já que dificilmente outro será destinado a tal com as mesmas vantagens estratégicas.
Se temos de aplaudir alguém, nestes Jogos, são os nossos abnegados atletas. Muitos vivem, treinam, vestem-se e se alimentam com pouco mais de um salário mínimo por mês. As reclamações de vários deles certamente têm razões de sobra para existir. Alguns que se manifestaram foram os nadadores Joana Maranhão e o nosso maior velocista e o atleta de esgrima, eliminado por um teste de Cooper com resultados aquém do limite exigido. Como se esse tipo de avaliação fosse fundamental para o desempenho nessa modalidade.
Enfim, são tantos os problemas para nossos atletas poderem chegar a disputar medalhas em condições de alto rendimento que o que eles fazem está perto de ser milagroso. Milagres tratados com tal euforia que até parece que já somos uma potência olímpica. Pequim-2008, infelizmente, nos mostrará que não. Assim como o encerramento do Pan devolverá ao Rio de Janeiro a realidade contida durante esses 15 dias de sonho.

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